Lúcia

O relógio na parede de uma loja revendedora de celulares ao lado do Camelódromo marcava 22h30min quando Lúcia se despede de suas colegas de serviço e desce a avenida Afonso Pena rumo ao ponto de ônibus em frente a uma autoescola. Levava consigo seu relógio, seu celular e seu passe.

No ponto, também aguardando, estavam um senhor gordo e baixo, de cabelos grisalhos e boné, uma mulher, também gorda, de longos cabelos avermelhados e presos, segurando pela mão uma menina que não parecia ter mais de nove anos de idade. Todos estão calados. O céu estava limpo, mas não dava para ver as estrelas por causa da luz artificial proveniente dos postes e das lojas; a avenida estava quase sem movimento.

Às 23h00min chega o 082 e nele embarca o senhor de cabelos grisalhos; Lúcia olha para seu relógio e percebe que o 081 estava muito atrasado. Ela repete o gesto quinze minutos depois e vê o 083 passar.

- Nossa! O 081 hoje está realmente atrasado! - Desabafa a mulher de cabelos avermelhados.

- Então! O que será que deve ter acontecido? Ele geralmente passa de quinze em quinze minutos. - Responde Lúcia, que começava a ficar preocupada.

Próximo dali vinha um rapaz alto, magro, sem barba e de cabelos negros, vestindo uma blusa regata, um short curto azul e chinelas.

- Boa noite! - Cumprimenta o rapaz, ao chegar.

- Boa noite! - Responde Lúcia. A mulher de cabelos avermelhados finge não ter escutado. A menina que ela segurava pela mão vira-se e encara o rapaz.

- Boa noite, pequenina!

- Boa noite, moço! - Responde a menina.

Nesta hora a mulher de cabelos avermelhados vira-se e também cumprimenta, puxando para si a garotinha.

Um silêncio estranho baixa sobre o quarteto. O coração de Lúcia começa a ficar apertado e um pressentimento ruim passa por sua cabeça.

São 23h30min quando finalmente chega o 081. A mulher de cabelos avermelhados e a menina embarcam; Lúcia, ao tentar subir, sente um negócio pontudo encostar em sua cintura; ela vira-se e vê que o rapaz segurava contra ela uma faca; no rosto dele repousava uma expressão irônica. O motorista não percebe o ocorrido, fecha a porta e vai embora.

- O que você quer!? - Pergunta Lúcia, assustada.

- Não grite e nem faça gracinhas! Venha comigo! - Responde o rapaz.

Os dois sobem a Afonso Pena até a praça Ary Coelho, que se encontrava em reformas. O rapaz guia sua vítima até uma abertura no cercado de alumínio - que impedia quem estivesse de fora ver o que acontecia lá dentro.

Naquele momento um arrepio de morte corta a alma de Lúcia. Péssimos pensamentos a atordoam e a adrenalina fazia seu coração quase saltar pela boca.

O rapaz a leva até o centro da praça, onde havia pedregulhos. Ele a manda se deitar no chão e ela não obedece, permanecendo parada na frente dele. Ele então desfere um golpe com a faca contra ela, que, na tentativa de desviar, cai no chão, com um ferimento no braço.

Pensando ter a situação sob controle, o rapaz guarda a faca na cintura e vai para cima de Lúcia, que desvia mais uma vez, se arrastando pela terra. Ele a puxa pelas pernas e ela cai de boca, quase quebrando um de seus dentes da frente; ele a puxa pela calça, tentando tirá-la a força, enquanto ela, para se defender, se debatia.

Agora irritado, o rapaz torna a empunhar a faca e Lúcia, em um momento de lucidez, pega a maior pedra que avista e a arremessa, acertando o nariz de seu agressor, fazendo-o levar às mãos ao rosto para segurar o sangue que agora jorrava por entre suas narinas, o deixando ainda mais irado. Ela se levanta e começa a correr sem rumo, segurando seu braço machucado.

Quando se recupera, o rapaz corre o mais rápido que pode atrás dela e logo a alcança; puxa-a pela blusa e a faz cair no chão novamente.

- Eu não disse que era para você ficar quietinha?! - Exclama o agressor, quebrando o nariz de Lúcia com um soco.

Sem muitas opção, ela começa a chorar e a gritar. O rapaz usa a faca para cortar a blusa e a calça dela em meios à "cala bocas" e pedidos de socorro.

Alguns metros dali uma viatura da Polícia Militar escuta os gritos e para em frente à praça. Dois policiais saltam e correm pelo cercado. Um deles, guiado pelos gritos, olha por cima da cerca e visualiza a cena; ele chuta e derruba uma das paredes do cercado; o rapaz percebe a presença da polícia e sai correndo, deixando Lúcia semi-nua no chão. O outro policial chega e socorre a vítima, enquanto seu colega sai correndo atrás do agressor.

- Para, se não eu atiro! - Grita o policial.

O rapaz não se intimada e continua a correr, procurando pela fresta que tinha entrado; o policial saca então sua arma e dispara. O agressor choca-se contra uma das paredes do cercado de alumínio e cai morto - o tiro havia acertado sua nuca.

Não demora muito e o local é invadido por mais policiais, paramédicos, bombeiros e jornalistas.

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