Em pleno século XXI ainda existem pessoas que acreditam no
sobrenatural — acreditam em coisas além da imaginação.
Não que seja errado — todos temos o pleno direito de
acreditar no que quisermos — assim como em contestar determinadas crenças.
Contudo, é fato, aliás, é lei que, nem mesmo o maior contestador pode passar
por cima das circunstâncias (coisa que a sabedoria popular desde sempre disse:
“contra fatos não há argumentos”).
Estando a par disso, é possível seguir com a história (mesmo
porque é você, caríssimo leitor, que formará um juízo a respeito dela).
Em Campo Grande (não aquela Campo Grande no Rio de Janeiro e
sim do Mato Grosso “do Sul” — e neste ponto eu peço, humildemente, para que
nunca se esqueça desse “do Sul” quando for falar do Estado da Cidade Morena),
mais especificamente na Rua Eduardo Contar, no bairro Guanandi, existia uma
casinha humilde, de madeira, com um grande quintal que, em mais da metade do
ano, era tomado pelo mato alto. Mesmo naquele tempo a casinha já era velha e
dava a clara impressão de estar infestada por cupins.
Nessa casinha morava uma aposentada, sozinha. Ninguém sabia,
ao certo, a idade dela, mas a criançada das redondezas especulava algo em torno
dos oitenta, oitenta e cinco anos. Sua história era obscura: alguns vizinhos
diziam que ela viera morar com o marido quando ainda muito jovem e que este,
não muito tempo depois, falecera; outros já eram menos complacentes e contavam
que a aposentada acabara sozinha por causa de um castigo divino, em decorrência
de ter tirado o marido da própria irmã.
De qualquer maneira, a única coisa certa a respeito dela era
sua rotina: praticamente todos os dias, excetuando-se os sábados e domingos, a
aposentada aparecia às seis e meia da manhã para comprar pão na panificadora
que havia na esquina; às onze horas quem passasse em frente a casa sentiria o
cheiro do almoço sendo preparado e, por fim, a partir das três da tarde, ouvia-se
as vozes dos programas de televisão que ela costumava assistir.
É lógico que tal personagem despertava, e muito, a
imaginação das crianças — e até de alguns adultos — das redondezas. Alguns
pais, procurando ensinar os filhos por meio do medo, criavam histórias em que
“a senhora da casa de madeira”, como a aposentada acabou conhecida, viria
pegá-las para fazer ensopado de criança caso elas não obedecessem.
“Como quem conta um conto, aumenta um ponto”, as histórias a
respeito da aposentada foram crescendo cada vez mais e, o que antes era uma
simples senhora que morava sozinha em uma casinha de madeira acabou virando uma
verdadeira bruxa, que saía à noite a procura de pessoas para seus rituais malignos.
Certa noite de “réveillon”, um grupo de garotos estava decidido
por à prova toda a boataria sobre a senhora. Desafiavam uns aos outros para ver
quem teria coragem de pular o muro e tentar entrar na casinha — que àquela
noite parecia desabitada.
O líder do grupo, um adolescente de quinze anos, magro e de
profundos olhos castanhos, acabara sendo o único a tentar a ousadia, já que o
resto dos garotos, mesmo com os fogos e demais circunstâncias que tiravam a
atenção dos adultos não somente para eles como também para a casa em questão,
tinham muito medo de que todas as histórias que ouviram a respeito da
aposentada fossem verdade — mais até do que a possibilidade de se encrencarem.
“Vocês não passam de umas garotinhas assustadas” disse o adolescente, poucos
momentos antes de pular o muro.
Para a sorte do garoto, o mato do quintal, naquela metade do
ano, estava alto o suficiente para escondê-lo. Pensando na (tênue)
possibilidade dele ser pego por causa da sujeira em seus tênis, o rapaz
decidira caminhar até a porta dos fundos com os pés descalços.
A partir deste ponto, tudo o que se sabe é por meio do
depoimento dos garotos que aguardavam o amigo do lado de fora: segundo eles,
algum tempo depois do menino ter entrado no quintal, eles ouviram alguém dar um
grito, seguido por alguns gemidos de dor e, por fim, “o silêncio” — cortado
somente pelos fogos de artifício, no céu noturno. No outro dia a polícia,
chamada pelos pais do adolescente, encontraram-no morto na varanda da casinha,
ao lado do corpo da aposentada.
Os jornais informavam que o rapaz havia sido picado por um escorpião
quando se escondera no mato e que a senhora, ao vê-lo em seu quintal, acabara infartando
com o susto. No Guanandi dizia-se, no entanto, que ele havia se metido onde não
devia e a aposentada, em seus últimos resquícios de vida, invocara uma entidade
demoníaca que levara sua alma juntamente com a do garoto.
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