Antes da Missa do Galo


O que pode significar uma simples ia ao banheiro? Para Júlio, um rapaz na casa dos treze para os quatorze anos de vida, uma experiência inesquecível...

Não são mais que dez horas da noite e o jovem Júlio quase desabava de sono, no sofá. Rapaz de uns treze para quatorze anos, fora passar as festas de fim de ano na casa de seus tios: tia Maria, uma mulher de longos cabelos negros e olhos cor da noite, dona dum sotaque paraguaio forte e marcante e tio Marcos, mineiro que viera ainda moleque para Campo Grande. Era véspera de Natal e todos preparavam-se para ir à Missa do Galo, que aconteceria numa capelinha não muito longe dali.

— Oxê, primo! Levanta aí! Não é possível você estar com sono: dormiu até quase o meio-dia e agora vem com essa? — Exclamou Sandra, prima mais velha de Júlio. 

Além dela, Maria e Marcos tinham também, como filhas, Ana Júlia e Bianca: a primeira estava em seu quarto, a encher-se de maquiagem e acessórios — afinal, Carlos, a quem ela, durante uma palavra ou outra durante os sermões de padre Joaquim, jogava uma piscadela, num namoro à moda antiga e pensamentos bem modernos, estaria lá — e a segunda no banho. O rapaz sentou-se no sofá, com os olhos vermelhos de sono.

— Primo, vai ao banheiro jogar uma água nesse rosto. Onde já se viu achar tanto sono, assim?

Com corpo mole, quase não se aguentando em pé, Júlio levantou-se e foi ao banheiro onde, com os olhos fechado, topou em Bianca.

Como o corredor do banheiro até seu quarto não passava pela sala, Bianca acostumara-se a sair de toalha, mesmo com visitas. Ao chocar-se com seu primo, sua única peça de roupa foi ao chão, revelando, ao agora bem desperto rapaz, o corpo nu e jovem de uma garota de dezoito anos de idade.

Por uns cinco ou dez segundos os dois olharam-se, sem saber o que fazer ou o que falar. Ele, com todos os hormônios à flor da pele, degustando com os olhos vermelhos cada cantinho daquele corpo feminino nu — um corpo que, não raro, ele já dera algumas olhadelas enquanto ela ia para a academia, vestida com sua blusinha branca e calça de ginástica — e ela sem saber o que fazer, com o cérebro paralisado.

Igual a um pai bravo que saí de arma em punho correndo atrás do futuro genro em uma vã tentativa de não deixar ninguém se aproveitar de sua filinha, o vento bateu em Bianca e a despertou do transe, fazendo-a pegar a tolha do chão, tornando a vestí-la. "Afe, Júlio! Olha por onde anda!" esbravejou a garota, passando pelo primo ainda estático.

Entre a realidade sem graça e o mundo fabuloso da fantasia, já no banheiro, Júlio encarou-se nos olhos, pelo espelho, num transe hipnótico onde, mais uma vez, viu a prima nua: um corpo bem definido pelos mais de dez meses de academia juntos ao vigor dos dezoito anos. Uma coisa não totalmente desconhecida, mas com muito mais intensidade, subiu-lhe a alma e avolumou-se em suas calças; algo real — diferente de quando ele ficava na internet procurando material tão proibido para sua idade, porém, tão disponível graças à rede mundial de computadores. E a imagem era forte, muito forte.

Ele e a prima até que se davam bem: conversavam sempre, principalmente por causa do interesse mútuo em séries de televisão. Ela, comprometida com um homem quatro anos mais velho, e ele ainda se descobrindo no verbo adolescer. E a imagem ainda atormentava-o.

De repente Afrodite desce do Olimpo, personificada em Bianca e a ganhar vida na singela fantasia de Júlio enquanto ele estava atônito com a situação. Ela caminhou até ele, com um sorrizinho nos lábios, convidando-o a pecar e a coisa em sua alma, avolumada em suas calças, ainda mais forte e ainda mais intenso. Ela beija-o no rosto, fazendo-o sentir seu perfume, tão provocativo quanto seu sorrizinho, seu coração disparado quando uma batida o traz de vez ao mundo dos mortais.

— Ei, primo, ainda tá vivo? — É a voz de Sandra quem pergunta. — Tá todo mundo pronto já, falta só você.

Júlio olha ao seu redor, certificando-se que havia voltado para o mundo sem graça da realidade, e percebe uma mancha em sua calça, bem na altura da virilha. Ele, então, com medo principalmente de seus tios, aproveitando-se de ter que jogar água em seu rosto, também molhou suas calças.

— O que é isso, Júlio? Perguntou seu tio Marcos.

— Sem querer, acabei me molhando. Respondeu o rapaz.

— Então vá trocar de calça, menino.

Após Júlio trocar-se sem demorar, a família segue para a capelinha onde aconteceria a Missa do Galo.

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