O professor

Edvaldo é um daqueles sujeitos de boa índole e cheios de ideais. Formara-se professor porque acreditava piamente na educação como forma de melhorar a sociedade e tornar todos iguais — mesmo sob protestos de sua velha mãe, que sonhava com um filho advogado ou até mesmo médico.

— Meu filho, você tem a oportunidade de se formar advogado ou médico. Com a herança deixada por seu pai posso te mandar para os Estados Unidos ou à Europa para estudar.

— Não quero, mãe! Já me decidi: vou ser professor! — Foi a resposta final.

E assim aconteceu: sem muito sacrifício, depois de anos e anos a estudar nos melhores colégios particulares, Edvaldo passara em uma das melhores universidade públicas de sua cidade e, em exatos quatro anos, já era aquilo que sempre havia sonhado: professor.

Novamente, a desafiar sua velha mãe, recusa uma vaga de docente na escola onde havia estudado desde sempre; seus ideais, nas palavras dele mesmo, impediam-no de se juntar aos mais favorecidos — favorecidos estes, por sinal, culpados por muitas das moléstias que afligiam os menos afortunados. Foi desta forma que fora parar na Escola Estadual Chad Trammell.

A escola em questão, literalmente no meio de um bairro periférico a uma hora de distância do Centro, não era a melhor, nem muito menos a pior. Dentre as centenas espalhadas pela cidade, ficava na faixa destinadas àquelas intermediárias — não davam problemas, mas também não se destacavam. Para Edvaldo, ela estava repleta de alunos sedentos por conhecimento; conhecimento que, nas palavras do tão incompreendido, e pobre, Messias de Nazaré, "os libertaria de toda a opressão e mal".

Logo no primeiro dia de aula decidira mudar a forma como distribuiria as notas de seus alunos: como a sala de aula não passava de um reflexo da sociedade, ou seja, alguns com muito e muitos com pouco, havia decidido que tiraria uma média de tudo e a daria para todo mundo — mesmo porque, pensava ele, como cada um aprende de maneira diferente, era injusto avaliar a todos do mesmo modo e deixar os com mais condições tirarem melhores notas que aqueles menos adaptados ao sistema.

Após saberem como receberiam suas notas — e, claro, depois de uma longa explanação do professor a respeito das desigualdades e tudo o mais —, ficaram bastante animados em participar de algo novo e revolucionário. A mesma reação deu-se com o diretor, afinal, com a nova proposta, era previsível uma melhora no quadro de notas daqueles alunos.

E assim aconteceu nas primeiras avaliações: as notas dos melhores alunos elevaram a média da sala e, por tanto, todos ficaram com média azul; nas provas seguintes, no entanto, os resultados caíram até o ponto do diretor questionar Edvaldo e ele não saber responder o porquê dessa queda.

Pressionado e, depois de entregar a última prova, novamente com notas baixas, Edvaldo confronta sua sala, perguntando-os o motivo de terem perdido tanto rendimento:

"Vocês são tão inteligentes e eu tenho as primeiras notas para provar isto! Não entendi porque despencaram tanto assim", diz ele, sentado na mesa de frente para todos. Há um breve momento de silêncio até que Gleyce, a aluna com a nota mais alta, pronuncia-se:

— Professor, no começo eu achei legal a ideia do senhor tirar a média e depois a dar como nota, mas daí eu vi que tinha gente que simplesmente não estudava, já esperando que eu, o Lucas e a Amanada estudassem, elevassem a média e eles, sem fazer nada, tirassem notas azuis. Achei injusto e decidi, também, não estudar mais.

Foi um forte baque. Um soco no estômago de Edvaldo: a sala de aula era mesmo um reflexo da sociedade e o que sua aluna havia acabado de dizer provava isso: ninguém entendia, aliás, ninguém queria entender que a melhor; a única forma da sociedade se desenvolver era todo mundo ajudando todo mundo, em uma perfeita harmonia.

Como daquela forma as notas caíram e, consequentemente, chamaram a atenção tanto dos pais dos alunos quanto da Secretaria de Educação, o diretor força o professor a voltar à antiga forma — forma esta que, apesar de não ser a melhor, destacava os melhores.

Edvaldo sente-se traído depois de ter que voltar, segundo ele, a semear a desigualdade entre seus alunos. Resolve, então, mudar de escola, indo para outra ainda mais para a periferia, tornando a repetir seus ideais e suas boas intenções.

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