
De pele branca como a neve e lábios vermelhos como o sangue, seu nome era Branca de Neve. Mas não se engane: conhecida por todos, e odiada por sua madrasta, ela e sua grande (e quem sabe algo a mais) amiga Jana vão passar por tribulações e provar que ambas têm força para lutar e para vencer!
VII E FOI ASSIM QUE NINGUÉM NUNCA MAIS VIU O CAÇADOR REAL
Kristian está em uma taberna escura, na parte de Bolisa reservada tanto para os excluídos da cidade quanto para os que realizavam serviços à margem dela. Com o ahen em falta, restava-lhe somente o álcool como forma de fugir da realidade. O pobre caçador estava em uma situação bem complicada... Seu caráter e também seu coração levaram-no a pôr sua família em risco — ou, ao menos, era o que ele pensava. “O que será de mim sem Katja e Daniela?” pergunta-se o infeliz, lembrando-se respectivamente de sua esposa e filha. E, pior ainda, o que diria à rainha quando fosse prestar contas a ela? Mas, ao mesmo tempo em que o medo e a culpa o torturavam, outra parte de sua consciência estava leve e calma, pois, nas palavras que matutavam em sua cabeça, “não havia como matar uma criatura tão bela e inocente quanto Branca de Neve”. — Me parece que você tem um sério problema. — Fala o taberneiro, olhando para o caçador enquanto secava um copo com um pano marrom. — Muito sério... — Responde Kristian, sem olhar para ele. — Mas o que poderia ser tão sério para um humilde, porém, honrado caçador real? — Fui contratado para um serviço que não consegui cumprir. — Então diga para quem o contratou que o serviço não foi feito e recomende outro para realizá-lo. Como o brilho de uma lâmpada forte ilumina um quarto escuro, a ideia do taberneiro invadiu a mente do caçador, deixando-o animado. “Por que não pensei nisto antes?” imaginou ele “É tão simples... aqui mesmo há gente disposta a fazer o serviço...” Kristian, então, levanta-se e, olhando para todos que estavam ali, faz seu convite: “Atenção todos, por favor! Eu gostaria de oferecer um serviço que lhes renderão grandes riquezas; riquezas a perder de vista! Os interessados devem vim ao meu encontro”. Ao terminar, ele torna a se sentar. Alguns minutos depois um sujeito com a orelha direita cheia de piercings e com a metade esquerda de sua cabeça raspada aproxima-se do caçador. Seu rosto era repleto de cicatrizes e seus olhos azuis fuzilavam qualquer um que os encarasse. — O que é preciso ser feito nesse serviço? — Pergunta o homem, sem se apresentar, apenas olhando para Kristian. Sua voz era intensa como um trovão. — Por favor, venha comigo a um lugar mais reservado. — Pede o caçador. Os dois saem da taberna e seguem até um beco afastado, onde apenas um mendigo roncava no chão, coberto por um pedaço do que parecia ser uma cortina velha. — Serei direto: a rainha contratou-me para levar até ela o coração de Branca de Neve. O homem não esboça nenhuma emoção ao ouvir do que se tratava, o que acaba deixando o caçador nervoso. — E você não conseguiu realizar o serviço, foi isso? — Sim! Ela me prometeu riquezas a perder de vista, mas como não consegui realizar seu desejo, terei que passar o serviço para alguém que possa. — Eu aceito. — Responde o homem, mais uma vez sem esboçar qualquer emoção. — Encontre-me amanhã próximo à entrada principal do palácio. Iremos falar pessoalmente com a rainha. — Finaliza Kristian. Os dois despedem-se com um acenar de cabeça e vão embora. Annett ia de um lado para o outro do castelo, ansiosa... “Será que ela já está morta...?” perguntava-se, parando sempre em um grande corredor, de frente para o jardim que existia aos arredores do palácio, deslumbrando o horizonte na esperança de obter uma resposta. Era possível ver grandes olheiras abaixo de seus olhos, resultado das noites mal dormidas — e tudo isto porque, ao fechar suas pálpebras a primeira pessoa que vinha à mente da rainha era sua enteada, vestida de branco e indo ao seu encontro que nem um fantasma a procura de vingança. “Senhora, o caçador real e um plebeu gostariam de vê-la” anuncia um servo, ao encontrá-la passando pela cozinha, em uma de suas andanças. “Leve-os para a Sala do Trono. Eu os receberei lá” responde ela, com o coração a mil. Já na Sala do Trono o caçador e o homem com piercings na orelha aguardam por alguns instantes até que Annett, tentando ao máximo esconder sua ansiedade, entra. — E então, Kristian, me dê logo o coração de Branca de Neve. — Pede a rainha, indo direto ao ponto com uma voz igual ao de uma criança que não vê a hora de receber o brinquedo prometido pelo pai. — Senhora, vim aqui me desculpar porque infelizmente não consegui realizar o serviço. — Responde o caçador, de joelhos. — O QUÊ?! — Esbraveja Annett, não querendo acreditar no que havia acabado de ouvir. — COMO ASSIM VOCÊ NÃO CONSEGUIU REALIZAR O SERVIÇO?! — Senhora... eu... digo... — Tenta justificar-se Kristian, inutilmente. Um tenso silêncio recai sobre a sala. — Senhora, se me permite... — Anuncia-se o homem com a metade esquerda da cabeça raspada. — Pois não... — Responde a rainha — ...quem é você, antes de mais nada? — Sou conhecido como Söldner e, utilizo há tanto tempo este apelido que nem sei mais meu verdadeiro nome. — Então, diga Söldner, o que veio fazer aqui? — Este homem me disse que havia sido contratado para um serviço que pagava riquezas a perder de vista, porém, ele não havia conseguido realizá-lo, então foi atrás de quem pode. — Imagino que essa pessoa seja você? — Sim! Se isto das “riquezas a perder de vista” for verdade, com toda certeza eu irei trazer para a senhora o coração de Branca de Neve. E as esperanças renasceram em Annett... A verdade era que ao escutar que o caçador não havia conseguido o coração de Branca de Neve um imenso temor inundara sua alma; um temor muito mais forte que o simples medo de morrer: era o medo do que aconteceria com ela se não levasse o tão almejado coração ao espírito da Lua cheia — e, mesmo que cumprisse com as ameaças que fizera à família de Kristian, o que não aconteceria, realizá-las não faria com que ela alcançasse seu objetivo. — Então você pode mesmo me trazer o coração da minha enteada? — Indaga a rainha, agora visivelmente mais calma. — Sim! — Responde Söldner. — Pois me traga o coração dela e tudo isto será seu. — Anuncia Annett, fazendo surgir, por meio de alguns gestos com as mãos, a mesma pilha de ouro, prata e bronze que aparecera para Kristian, saltando os olhos do homem com os piercings na orelha direita. — Enquanto a você, caçador, nunca mais volte ao palácio! Eu, sinceramente, aconselho que você pegue sua família e vá para bem longe; para um lugar em que nenhum dos meus guardas possa encontrá-lo. Kristian agradece com uma genuflexão e se retira, correndo o mais rápido que suas pernas permitiam de volta para a casa. Lá, ele apenas diz para a sua mulher Katja e sua filha Daniela que eles precisavam se mudar para um lugar muito, muito distante, sem mesmo ter tempo de fazer as malas. Foi desta maneira que nunca mais ninguém viu o caçador real.
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