Dia de cinema


São três horas da tarde e o rapaz desperta revigorado após a tremenda dor de cabeça que ele havia sentido após o almoço — uma dor que ia e vinha sempre que um fato resolvia atormentá-lo.

"São três horas", diz ele para si, ao olhar para o celular. Estava atrasado. Tinha que estar no cinema às duas horas. "Fazer o quê? Ainda bem que há uma sessão às seis da tarde".

O rapaz, então, prepara-se. "Usa o outro tênis" pede sua mãe. "O outro está no banheiro" responde ele, avisando que seu tio havia acabado de chegar e estava justamente tomando banho.

Pronto, ele sai pelo portão de casa e logo repara: a cidade parecia aproveitar o que restava do final de semana. As ruas estavam quase desertas e as lojas, padarias e o comércio dormia ao som do silêncio.

O shopping, no entanto, onde ele iria assistir à sessão, estava lotado. Estacionamento cheio, mas por sorte o rapaz não tem problemas para achar uma vaga e estacionar. Dentro, a situação não era diferente: pessoas iam e vinham de praticamente todos os lugares.

Ao finalmente chegar ao cinema, uma fila enorme o esperava; uma fila tanto nos guichês comuns como os reservados aos abençoados por cartões de crédito ou débito.

Como de costume, a fila a qual o rapaz havia escolhido era a dos que pagariam com cartão de débito. À sua frente um casal formado por adolescentes de, no máximo, quinze para dezesseis anos se beijavam, se abraçavam e conversavam — a mãe dela parecia ter adicionado ele em uma rede social e agora ficava mandando coisas a toda hora. Atrás também havia outro casal, desta vez um pouco mais velho: ele parecia com problemas na faculdade e ela lhe dava conselhos.

O tiro de largada é dado e a dor de cabeça recomeça: parecia que os casais de todos os tipos e idades também tinham resolvido aparecer no cinema — e ele era o único sozinho, ali.

Chega a sua vez e ele compra os ingressos — outra bênção da sorte: havia mais sessões naquele dia, sendo uma delas às cinco horas, o que lhe daria apenas uns trinta minutos de espera.

Primeira grande questão, em meio à dor: com ou sem pipoca? Mas a dor não deixava espaço para outros pensamentos. "Será que a livraria daqui tem livros novos?"

A dor se intensifica. Mais e mais casais cruzam o seu caminho: uns mais assanhadinhos; outros mais comportados. Todos interligados pelo sorriso de orelha a orelha de terem encontrado um amor correspondido. O rapaz põe seu cabresto imaginário e segue para a livraria.

"Sem novidades" comenta ele para si. Os livros ali expostos continuavam quase os mesmos, com exceção de um ou outro lançamento. "Qual é mesmo o nome daquela série?" pergunta-se ele, "Sou bem capaz de dar a ela o segundo livro". Mas o nome não vem. A única coisa que vem, sobre a dor de cabeça agora mais amena, foi a imagem dela.

Quase como uma alucinação ou mesmo como um poltergeist, ela surge à sua frente: o mesmo olhar de mistério, as mesmas roupas, a mesma bolsa, o mesmo celular no bolso e, claro, os mesmo fones de ouvido que ela sempre tirava quando ou ele ou alguém a encontrava pelo caminho.

"Senhor...?" chama alguém, agora muito distante. "Senhor?!" chama novamente, agora mais enfático, trazendo-o de volta para a realidade e fazendo com que ela se evaporasse no ar — igual a uma lembrança boa que surge do nada e depois vai embora. "Posso ajudá-lo?" pergunta a vendedora. "Não, obrigado".

São quatro e meia. Ele volta ao cinema, agora sem fila para comprar pipoca e refrigerante, o que faz com que o rapaz os compre, sendo generoso com a manteiga. A dor de cabeça continuava do mesmo jeito.

"Sala dois, senhor" diz o funcionário ao rapaz após checar seus documentos, enquanto este agradecia ao casal ao lado por tê-lo ajudado segurando suas coisas.

A sala está vazia, mas logo enche: mais casais! Enquanto o filme não começa, a manteiga da pipoca começa a escorrer e a lambuzar tanto o assento quanto o rapaz, que tenta limpar-se com os poucos guardanapos que tinha

— Moço, meu namorado e eu compramos a M9 e a M11 e eu gostaria de saber se o senhor poderia se sentar ali ao lado. — Pede uma mulher ao rapaz, já durante os trailers.

— Mas eu tenho medo de chegar o dono da cadeira, mais tarde. — Responde ele.

— Então, mas ela é nossa.

— Ah! Sim! Desculpas! Ok então! — Responde o rapaz, sentando-se à cadeira ao lado.

O filme finalmente começa, mas não sem antes ele ouvir o namorado da mulher reclamando que o assento e o chão estavam todos sujos de manteiga derretida. "Foi mal".

A sessão termina e, sem perceber, a dor de cabeça também. O rapaz volta para seu carro e olha para seu celular: "A Duda e eu também iremos ao cinema", piscava a mensagem de um amigo. Novamente "ela" surge na mente dele, junto à dor. Mas ele não podia ficar ali parado, sonhando — já havia pegado o estacionamento e tinha que ir antes de ter que pagar novamente.

O rapaz, então, vai embora, voltando finalmente às ruas vazias da cidade que parecia aproveitar os últimos momentos do final de semana.

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