A Cinderela de shopping

Todos os dias era assim, desde que ela conseguira aquele emprego: podia se dar ao luxo de se levantar às dez horas da manhã, almoçar e ir para o ponto de ônibus esperar pelo 051 A.

Mesmo com uma roupa e com a aparência impecável, ao chegar ao shopping onde trabalhava ela tinha que ir ao vestiário dos funcionários e se trocar. De algo mais casual, composta por uma blusa, uma calça e tênis, ela tinha que pôr um lindo vestido azul com renda, o salto que tentava imitar um sapatinho de cristal e uma coroa pintada de prata, na cabeça.
Porém, sua função não era atuar em uma grande peça de teatro e sim cuidar das diversas crianças que visitavam o stand em frente a uma livraria e uma loja de sapato, enquanto os pais zanzavam pelas lojas.

Todo começo de expediente era a mesma coisa: ela realmente se parecia com uma princesa a esperar por seu príncipe encantado, contudo, conforme as horas iam avançando, suas roupas iam ficando amarrotadas e seus cabelos desarrumados — a carruagem ia se transformando em abóbora.

As crianças que visitavam o stand também não facilitavam muito, mesmo a maioria esmagadora de elas serem meninas, atraídas justamente por causa da moça vestida de Cinderela.

“Vamos brincar?” ela indaga à primeira de elas a aparecer. A mãe, uma mulher alta e magra, parecia apressada — uma das lojas daquele shopping realizava uma grande promoção e ela não queria nem perder a oportunidade de gastar mais pensando em gastar menos nem enfrentar fila. “Vai filha! Mamãe já volta!” despede-se a mãe, procurando não olhar para trás.

O porquê se deu logo depois, já que aquela criança começou a chorar desesperadamente — quem ouvisse, apenas, diria que ela estava sendo maltratada ou mesmo sofrendo coisa pior. A moça vestida de princesa tentou tudo o que havia aprendido em suas duas semanas de treinamento, mas mesmo assim a garotinha continuava a se esgoelar.

Duas horas e meia de choro depois e a mãe retorna ao stand repleta de sacolas nas mãos. “Se divertiu, filha?”. Como mágica o choro cessa e a menina vai com a mãe embora.

Porém, o expediente ainda não tinha chegado ao fim, mesmo ela já com um ar visivelmente abatido e os cabelos semidesengonçados. Mais e mais crianças chegavam: algumas calmas, outras mais agitadas — tinha até aquelas que queriam conversar com ela perguntando a respeito da sua vida com o príncipe encantado. E as horas foram passando...

Finalmente quando o relógio marcou dez horas da noite, em ponto, e já não tendo uma só criança brincando, a carruagem termina de se desfazer, transformando-se de vez em abóbora.

Cansada, com a roupa toda amarrotada e os cabelos completamente desengonçados ela segue para o vestiário dos funcionários; troca de roupa e segue novamente para o ponto, onde aguarda pelo 051 B.

Mesmo já não sendo mais princesa ela sabia que amanhã seria outro dia; outro dia em que a magia se repetiria e ela, novamente, se tornaria a princesa a procura de seu príncipe encantado.

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