29°C


Fazia 29°C lá fora. Um alívio para os quase 40°C que assolou boa parte do dia.

No quarto, a madrugada iluminada pela brancura da luz fluorescente contrastava com o sentimento de alegria. A tela do computador acesa e as centenas de fotos espalhadas pelo perfil de uma grande rede social reforçavam o quão inútil e inexpressiva pode ser a vida de um ser humano.

"Só alegria" dizia a legenda de uma delas, com um casal feliz a se beijar. Mais abaixo uma menina com seus dois gatos encostada em um rapaz dizia, mesmo que sem legenda: "só alegria".

Mais e mais fotos "só alegria" surgem, da mesma forma que Ramsés viu os gafanhotos devastarem as provisões do Egito. "Só alegria".

Os 29°C eram para trazer "alegria", mas o alívio pós-sauna é completamente diferente de sorrir sem ter motivo. Faltava alguma coisa... mas o quê?

A resposta era óbvia... óbvia de mais... Mas doía... doía muito...

Machucava saber que o destino reservava a solidão, a mesma solidão que acompanhava a madrugada e a escuridão. Mesmo a luz fluorescente não deixando que tudo ficasse negro, a solidão ainda batia à porta. Vez ou outra dava um sossego, contudo, logo recuperava o fôlego e tornava a bater.

"Sozinho"... era essa a legenda da última foto que apareceu antes da janela do computador se fechar: uma "self" em preto e branco. "Sozinho", a única foto do tipo.

Os 29°C trouxeram alegria... sim, trouxeram, mas também trouxeram o aviso de que todos os dias, independente do calor ou do frio, a solidão e a escuridão batem à porta, restando somente o mundo dos sonhos, onde tudo é possível, para fugir da realidade que reservava apenas uma foto ao fim do grande túnel da vida: aquela com a legenda "sozinho"...

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