OS AUTOS DE RUMPELSTILTSKIN - I

Como o prometido, eis aqui a história que me desafiaram criar. Ela está dividida em três capítulos, que serão postadas hoje, manhã e depois - sempre nesse horário.

Então é isso. Boa leitura =D
I

Como faz todos os dias, Saphira Roumbots chega sete horas em seu escritório. Avessa a atrasos e completamente empenhada em sua profissão de advogada, sempre gostara de aparecer em seus compromissos com uma hora de antecedência.

Imad, um rapazinho de vinte anos recém-aceito na faculdade de Direito e secretário pessoal dela, se acostumara com essa “mania” e, mesmo com um contrato que lhe permitia chegar até às oito e trinta, batia ponto junto com sua patroa.

— Por favor, Imad, leve a minha sala todos os processos que terei que analisar hoje. — Pede Saphira.

— Certo! — Responde ele.

Quase próximo à hora do almoço, um sujeitinho um pouco menor que um anão, de orelhas pontudas, uma longa barba branca e sobrancelhas grossas sobre um rosto carrancudo e vestindo-se com um gorro pontudo vermelho na cabeça, sapatos cor laranja, e uma roupa verde que lhe dava a aparência de um enfeite de jardim chega ao escritório.

— Pois não, senhor? — Indaga Imad.

— Bom dia! —Responde o homenzinho. — Eu gostaria de falar com a responsável por este escritório.

— Sim, certo, mas sobre o que seria?

— Por um acaso é da sua conta?

— Perdão, senhor. Mas é que preciso anunciar para ela o assunto que o senhor gostaria de tratar.

— Então diga apenas que se refere a um serviço que lhe renderá muitas moedas de ouro.

A contragosto, mas em nome do profissionalismo, o rapaz avisa sua patroa da chegada do homenzinho.

— Bom dia — Cumprimenta-o ela quando ele entra em sua sala. — Por favor, sente-se. Então, meu secretário me disse que o senhor tem um trabalho que me renderá muitas moedas de ouro.

— Sim! Jovenzinho atrevido esse seu secretário, diga-se de passagem. Pois bem, venho aqui porque gostaria de processar a rainha Carol. — Responde o sujeito.

— Processar a rainha? Por quê? —Questiona ela, incrédula.

Carol Ritzema, ou simplesmente “rainha Carol”, é a quadringentésima rainha de Nymager. Casada a mais ou menos dez anos com o rei Ouassim, tinha um único filho e seus súditos a adoravam por causa de sua simpatia, beleza e benevolência.

— Por descumprimento de um acordo. — Responde o homenzinho.

— Explique melhor.

— Até onde eu sei, o pai de Carol era um moleiro muito pobre. Tentando impressionar o rei para que ele se casasse com sua filha, inventou que a garota tinha a habilidade de fiar palha em fios de ouro. Será que eu poderia tomar um gole d’água?

— Claro. — Responde a advogada.

O homem se levanta e pega um copo d’água no bebedouro ao lado da porta e depois retorna ao seu lugar.

—Desconfiando, o rei tranca a menina em uma torre com uma roca e alguns quilos de palha, intimando-a a fiar tudo em ouro até a manhã seguinte. — Continua ele, bebericando um pouco do copo. —Mas como tudo não passava de uma baita lorota, ela logo entra em desespero. — Ele dá uma pousa para terminar de beber restante da água em seu copo.

— Certo. Confesso que não conhecia essa história, mas até agora não vi nada que justificasse o processo contra a rainha.

O sujeitinho apenas continua, como se não tivesse ouvido o que ela havia dito:

— Eu morava perto daquela torre e ouvi os lamentos dela e resolvi ajudá-la. Disse que eu poderia transformar toda aquela palha em ouro antes do raiar do outro dia, mas sob uma condição.

— Qual?

— A de que ela me daria o seu primeiro filho.

Saphira teve que fazer um grande esforço para ficar impassível. Já advogara para diversos clientes, de todos os tipos, mas era a primeira vez, não somente em sua carreira, como em sua vida, que escutara um acordo tão absurdo quanto aquele.

— E pressuponho que ela tenha negado. — Afirma a doutora.

— Muito pelo o contrário: ela aceitou. Ou ao menos é o que eu pensava. — Responde o homenzinho, jogando seu copo vazio no lixo embaixo da mesa. — Com o acordo firmado, pus-me a trabalhar. Quando um dos criados do rei apareceu para checar a moça, toda a palha já tinha virado ouro.

— Por um acaso seria o príncipe Matthys esse bebê que ela teria que te entregar? — Pergunta Saphira, apesar de já saber a resposta.

— Ele mesmo! Mas a história não termina aqui. Após o nascimento do príncipe, eu fui ao quarto dela cobrar o que era meu por direito. Foi um saco! Ela começou a chorar e a dizer que daria até mesmo o seu trono para que eu não levasse o recém-nascido. Mas acordo é acordo.

“Então propus a ela outro pacto, aliás, um jogo: em até três noites ela teria que descobrir meu verdadeiro nome, caso o contrário eu levaria o príncipe, agora, se ela acertasse, eu a deixaria em paz”.

— Continue. — Diz Saphira, levantando-se e indo em direção ao bebedouro onde toma um copo de água, retornando em seguida para seu lugar.

—Na primeira noite ela tentou centenas de nomes, mas não chegou nem próximo ao verdadeiro. Na segunda noite a mesma coisa. Acho que vendo que logo teria que cumprir com nosso combinado, quando apareço em seu quarto na terceira e última noite, a encontro com um barril de cerveja e duas canecas. Como todo bom duende, não resisti à tentação e aceitei beber alguns goles.

Ao ouvir “duende”, Saphira mais uma vez teve que se controlar para não pular de sua cadeira. Já tinha ouvido várias histórias a respeito daqueles seres, mas nunca imaginou que algum dia teria que auxiliar um deles em um tribunal.

— E então?

— Ah! Não é óbvio, doutora? Ela me embebedou. Usou o truque mais sujo que existe: encher a cara de alguém para que ele abra a boca. — Esbraveja o duende, enrugando ainda mais o rosto.

Apesar do tom, Saphira decidiu por não replicar ou repreendê-lo. Ele continua:

— Como pude ser tão tolo? Por ela também estar com uma caneca de cerveja, achei que estava a me acompanhar, mas foi um terrível engano. Quando dei por mim estava a cantarolar, todo sorridente:

Hoje na cozinha
Preparo tudo com alegria.
É hoje, é hoje que frito o filho da rainha!

Nós duendes somos assim,
E eu não poderia ser diferente.
Fico muito contente
Em saber que ninguém mais sabe que meu nome é Rumpelstiltskin.

“A cantoria foi realmente desnecessária”, pensa a advogada, observando a empolgação com que o duende cantarolava. Ao menos um pouco da carranca em seu rosto tinha sido desfeita.

— Pois então senhor... — Começa Saphira após o término da música.

— Me chame apenas de Rump. — Interrompe o homenzinho.

— Certo, senhor Rump. Agora meu assistente e eu teremos nosso horário de almoço, por isso você poderia comparecer ao meu escritório novamente manhã, às oito horas?

— Posso! Amanhã, às oito em ponto, estarei aqui.

— Até lá então.

O duende desce de sua cadeira e depois desaparece sobre um estalar de faíscas.

“Imad”, chama Saphira, “vamos almoçar! Pelo o visto teremos muito serviço”.

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Um comentário:

  1. Gostei! Vc já começou com uma abordagem bem diferente do que eu teria pensado. Tô mega curiosa agora!

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