Pensamentos, desejos e controle

Por um caminho não muito escuro e até com um certo movimento passava uma mulher de longos cabelos sedosos e olhar sensual. Seu rebolado atrás de uma saia preta que ia até os joelhos e o barulho de seu salto alto chamavam ainda mais a atenção para ela. Seu figurino se completava com um colete preto sobre uma blusa branca e alguns livros e pastas que ela carregava junto ao peito.

No meio desse caminho existia uma praça - com chafariz, árvores, bancos e até um parquinho com balanços e gangorras - e nela ficava o ponto de ônibus onde a mulher aguardaria pelo coletivo.

Nesse ponto se encontravam mais três pessoas: uma senhora com um longo vestido florido ao lado de um garotinho que parecia ter seus oito ou nove anos de idade; uma outra mulher, desta vez de cabelos curtos, com uma calça apertada - daquelas que são muito usadas em academias de ginástica - e uma camiseta preta com um slogan de loja e um homem como qualquer outro com camiseta cinza, jeans e boné.

"Tem horas?" pergunta a senhora à mulher de cabelos longos, "Dez e meia" responde ela. Momentos depois chega um ônibus em que embarcam a senhora junto ao garotinho e a mulher de calça apertada e camiseta preta.

Apesar de outros três coletivos passarem - com uma considerável quantidade de pessoas dentro -, pouco a pouco um silêncio foi caindo sobre o ponto e também sobre a rua em frente a ele.

- Ele tá atrasado, comenta o homem de camiseta cinza, mais para si mesmo que para a mulher, que vira-se para ele e pergunta:

- O quê?

- O vinte e dois, nove quatro um está atrasado; geralmente ele passa dez e pouco e já são quase onze horas responde o homem.

A mulher de longos cabelos sedosos estava em pé, próximo ao meio fio e o homem de camiseta cinza estava sentado, até então mexendo em seu smartphone. Depois disso ambos voltam a ficar calados.

Sem ter opções do que fazer, o homem de camiseta cinza, com o canto do olho, começa a observar a mulher de cabelos longos: suas curvas, seu olhar sensual e seu corpo jovem começam a atiçá-lo. Em sua cabeça surgem mil cenas e imagens; mil coisas que ele gostaria de fazer com ela; tê-la! "Mas será que ela também está afim?" questiona-se ele.

Quanto mais os segundos passavam, mais e mais imagens, sensações e desejos passavam por sua mente. "Ela tem querer!"

O desejo foi se tornando mais e mais incontrolável e algo dentro dele, além das luxuriantes cenas com a mulher de cabelos longos, foi lhe mostrando mil formas de obtê-la, possuí-la para si. "É uma praça com mato e, ainda por cima, deserta, afinal de contas".

Na cabeça da mulher existia apenas um único pensamento: o de voltar para casa, tomar um banho, vestir seu pijama e se deitar. O dia no escritório havia sido puxado e seu corpo inteiro implorava por uma pausa.

Torna a passar outro ônibus - o mesmo em que a mulher de calça apertada e a senhora junto ao garotinho haviam embarcado minutos antes.

"Novamente o mesmo" comenta a mulher, para si, em voz alta. Ouvir a voz dela novamente foi como acender um barril de pólvora para o homem, que agora além de imagens, também tinha delírios dela o chamando, o provocando. "Ela quer!" mente par si, "eu mesmo ouvi".

O homem de camiseta cinza se levanta e se aproxima dela, a olha nos olhos e, então, algo acontece: em sua mente surge a figura da casa onde ele tinha crescido: os mesmos móveis, a televisão antiga, as mesmas fotos e ele sentado no carpete, brincando com um trenzinho de madeira.

O pai, um homem com poucos cabelos na cabeça e já com alguma idade, lia o jornal sentado em uma cadeira enquanto a mãe, de avental, estava na cozinha, aparentemente fazendo o almoço.

- Sabe filho - diz o pai, pondo o jornal sobre o colo - promete que nunca irá se esquecer de sua mãe?

- Sim papai.

- Mesmo?

- Sim, eu prometo.

A última cena ao passar pela mente do homem de camiseta cinza foi a manchete do jornal que seu pai estava lendo: "Mulher é encontrada morta em terreno baldio com sinais de violência sexual". Na época ele não entendeu, mas agora, como um balde de água fria, ele passou a entender, tal como a pergunta "e se fosse minha mãe essa mulher de cabelos longos?" tomou conta de todos os seus pensamentos e desejos.

- Pois não? - Pergunta a mulher de cabelos longos.

- Ah! - Responde o homem, meio desconcertado. - Cansei de ficar sentado, só isso.

Finalmente o ônibus que a mulher de longos cabelos sedosos e olhar sensual estava esperando chega. Ela embarca e, por sorte, senta-se em um banco ao fundo. O pensamento de que iria tomar um banho e finalmente se deitaria em sua cama quentinha a confortaram até ela chegar em casa.

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